Acredito que todos veganos ou vegetarianos já ouviram essa pergunta alguma vez: "E as plantas? Elas também morrem para você comer."
Assim como também acredito que ninguém que faz tal pergunta realmente acha que não podemos distinguir entre uma galinha e um maço de alface. Se no próximo almoço na sua casa você cortar um alface na frente dos todos, eles terão uma reação completamente diferente daquela que teriam se você fosse cortar uma galinha viva. Ou se ao caminhar pelo seu jardim, eu pisar em sua flor de propósito, você irá ficar irritado comigo, mas se eu chutasse seu cachorro de propósito, você ficaria irritado comigo de um modo diferente. Ninguém considera esses dois atos equivalentes. Todos sabem que existe uma grande diferença entre uma planta e um cachorro. Essa diferença faz com que seja muito mais grave, moralmente, chutar um cachorro do que pisar em uma flor.
O que difere os animais das plantas são os níveis de consciência. Isto é, os animais não-humanos, ou pelo menos aqueles que costumamos explorar, sem dúvida são conscientes de suas percepções sensoriais (Sencientes). Os animais sencientes têm mentes, preferências, desejos ou vontades. Isso não quer dizer que as mentes dos animais sejam como as mentes dos humanos, pois são níveis diferentes de consciência. Por exemplo, pode ser que as mentes dos humanos, que usam uma linguagem simbólica para se orientar pelo seu mundo, sejam bem diferentes das mentes dos morcegos, que usam a ecolocalização para se orientar no mundo deles. É difícil saber ao certo. Mas isso é irrelevante, o que importa é que tanto o humano quanto o morcego são sencientes. Ambos são aqueles tipos de seres que têm interesses, ambos têm preferências, desejos ou vontades. O humano e o morcego podem pensar diferentemente sobre tais interesses, mas não pode haver a menor dúvida de que ambos têm interesses, inclusive o interesse em evitar a dor e o sofrimento, e o interesse em continuar a viver.
Já as plantas são diferentes. No plano qualitativo, dos animais humanos e dos animais não-humanos sencientes, as plantas com certeza são seres vivos, mas não são sencientes. As plantas não têm interesses. Não há nada que a planta deseje, ou queira, ou prefira, porque ela não tem mente. Quando dizemos que uma planta “precisa” de água ou “quer” água, não estamos afirmando nada sobre o estado mental da planta, assim como não estamos afirmando nada sobre o estado mental do motor de um carro quando dizemos que ele “precisa” de óleo ou “quer” óleo. Pode ser do meu interesse pôr óleo no meu carro. Mas não é do interesse do meu carro: meu carro não tem interesses.
Uma planta pode reagir à luz do sol e a outros estímulos, mas isso não significa que a planta seja senciente. Se eu fizer uma corrente elétrica passar por um fio ligado a uma campainha, a campainha toca. Mas isso não significa que a campainha seja senciente. As plantas não têm sistema nervoso, nem qualquer outra característica que associamos à senciência e tudo isso faz sentido em termos científicos. Por que as plantas desenvolveriam a capacidade de ser sencientes, se elas não podem fazer nada para reagir a um ato que as danifica? Se você encostar uma chama em uma planta, a planta não pode fugir e continua exatamente onde está e queima, mas se você encostasse uma chama em um cachorro, o cachorro faria exatamente o que você faria, gritaria de dor e tentaria fugir da chama. A senciência é uma característica que evoluiu em certos seres para capacitá-los a sobreviver escapando de um estímulo nocivo. A senciência não seria de nenhuma utilidade para uma planta, as plantas não podem “escapar”.
Eu não estou querendo dizer que não podemos ter obrigações morais às plantas, mas sim que não podemos ter obrigações morais para com as plantas. Podemos ter a obrigação moral de não cortar uma árvore, mas essa não é uma obrigação moral que temos para com a árvore. A árvore não é o tipo de entidade para com o qual podemos ter obrigações morais. Podemos ter uma obrigação moral, isso sim, para com todas as criaturas sencientes que vivem na árvore ou dependem dela para sua sobrevivência. Podemos ter a obrigação moral para com os outros animais humanos e não-humanos que habitam o planeta de não derrubar árvores de modo irresponsável. Mas não podemos ter quaisquer obrigações morais para com a árvore; podemos ter obrigações morais apenas para com os seres sencientes, e a árvore não é senciente nem tem interesses. Não há nada que a árvore prefira, queira ou deseje. A árvore não é o tipo de entidade que se importa com o que fazemos a ela. O esquilo e os pássaros que vivem na árvore certamente têm interesse em que não cortemos a árvore, mas a árvore não. Pode ser errado moralmente, cortar uma árvore irresponsavelmente, mas esse é um ato completamente diferente do ato de atirar em um veado.
Gustavo
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